Sempre que alguém decide fazer um reboot, remake, readaptação ou recaramba a quatro que seja cinematográfico, eu fico intrigado (embora as vezes empolgado). A dúvida que me vem em mente é: Há tão pouca visão e imaginação a ponto de precisarem estar sempre investindo em trabalhos que já são consagradas? O mesmo vale para filmes com 300 continuações, muitas vezes até desnecessárias. "Será que criatividade é o calcanhar de Aquiles de Hollywood?", me pergunto. Qualquer dia desses a gente chega à uma conclusão sobre isso, até lá, façamos nossas preces para que todas as readaptações do cinema sejam boas como O Agente da U.N.C.L.E (The Man From U.N.C.L.E).

  Baseado na série americana dos anos 60, a trama dirigida pelo excêntrico Guy Ritchie é vivida no período inicial da Guerra Fria. Napoleon Solo (Henry Cavill) e Illya Kuryakin (Armie Hammer) são agentes super secretos notavelmente habilidosos (e opoentes) que se unem com a missão de impedir uma organização criminosa de continuar proliferando armas nucleares pondo em risco a população. Ou seja, uma missão muito maior do que a própria rivalidade nutrida um pelo outro. Sendo a infiltração o único método viável de executar a operação em sigilo, eles precisam encontrar a filha de um cientista desaparecido com raízes na operação criminosa, Gaby Teller (Alicia Vikander), e correr contra o tempo para evitar uma catástrofe mundial.


"Para um agente especial, você não está tendo um dia muito especial. Está?"

  Algo que é muito necessário de se compreender é como funciona a cabeça do Guy Ritchie. O diretor britânico é conhecido por filmes com roteiros cheios de revira-voltas, edições de vídeo ousadas, trilhas sonoras impecáveis e decisões peculiares quanto à continuidade das sequências. Quem já assistiu a filmes como Snatch, Sherlock Holmes e Rock n' Rolla consegue entender com clareza a minha mensagem. Pois bem, seu mais recente trabalho é rico em todos esses artifícios 'ritchianos'. Isso sem citar a química do trio principal, que é perfeita (ou muito perto disso) tecnicamente falando. 

  O filme é inteligente, eletrizante, dramático, misterioso, engraçado, tenso e MUITO visual. Do tipo que se vale a pena gastar umas dilmas a mais para ver em IMAX. Em outras palavras, O Agente da U.N.C.L.E é tudo o que um filme de espionagem precisa ser. E se a criatividade/visão/imaginação de alguns diretores ficaram em questão na pergunta enfatizada logo no primeiro parágrafo, tirem o tio Ritchie dessa! Pois isso ele mostrou (mais uma vez) que tem de sobra.


NOTA : ★★
[ The Man from U.N.C.L.E / 2015 / Guy Ritchie ]

  Richard Linklater é um diretor/roteirista bem "aventureiro", se podemos colocar dessa forma. Em 2001, mesmo ano em que lançou nas telonas o extraordinário e único Waking Life, aventurou-se também na proposta de transmitir a experiência de uma peça teatral para os amantes do cinema com o filme Tape (ou Amargo Reencontro, em pobre tradução). Mas e aí? A experiência foi um sucesso, fracasso ou meio-termo? 

  Johhny (Robert Sean Leonard) e Vince (Ethan Hawke) são amigos de longa data que decidiram se reencontrar após muito tempo por uma questão de conveniência, uma vez que ambos estavam em sua terra natal. Johnny, agora um cineasta, demonstra um ar de superioridade ao tratar com Vince (que não fez "nada com a vida") mesmo aparentemente evitando. E em meio aos diálogos nostálgicos e de praxe sobre os velhos tempos, nasce o grande drama do longa: Amy (Uma Thurman), a garota com quem ambos namoraram. 

"Pessoas mudam. Eles acabam não tendo nada a dizer um ao outro , mesmo que eles fossem melhores amigos anos antes".

  Sendo bem honesto, Amargo Reencontro não passa tanto disso não, sabe? Digo, o filme conta com um roteiro intencionalmente meia-boca, uma produção simples (pseudo-amadora), um elenco de exatamente 3 atores, 1 hora e 26 minutos de duração e isso sem mencionar o fato do mesmo possuir um cenário único, que é o quartinho de hotel onde Vince está hospedado. Mas por quê fazer um filme com recursos tão escassos? Ah Ha! Essa é a grande questão...

  Acredito que grandes diretores, como Linklater, estão sempre propensos a toparem grandes desafios. O que o cineasta norte-americano viu na peça homônima de Stephen Belber foi a oportunidade de fazer algo igualmente intrigante para a tela do cinema. E conseguiu! Porque o que temos em 1 hora meia é um enfoque claríssimo nos diálogos, tamanha é a enfase que nos faz fazer parte daquele momento. Como se, de fato, tivéssemos quebrado a quarta parede entrado naquele quartinho. 

  O que para mim é fantástico perceber é justamente as decisões tomadas por Richard. Ele poderia ter feito algo muito maior com a aquela peça. Poderia ter dirigido um filme muito mais comercial sem fugir da essência da história. Porém, o que ele fez foi diminuir diversos recursos cinematográficos para que justamente olhássemos para o que resta: O Diálogo. Outro fato interessante é que assim como em sua trilogia de maior sucesso (Antes do Amanhecer), nos deparamos com várias sequências de conversa sem corte algum, dando um ar muito mais realista às cenas.

  Não trata-se de um filme fora de série, muito menos um must see. Mas Reencontro Amargo passa longe de ser um filme medíocre e sempre... Digo, SEMPRE vai encantar aqueles que amam o cinema por sua substância. 


NOTA : ★★★
[ Tape / 2001 / Richard Linklater ]

  Abençoado seja o dia em que David Mackenzie acordou inspirado e decidido a fazer essa película acontecer! Sentidos do Amor (ou Perfect Sense) ganhou seu espaço no Pratteleira por inúmeras razões e não sei se me farei claro ao dizer isso, mas ser um "bom filme" (tecnicamente falando) foi a menor delas.

"Há escuridão. Há luz. Há homens e mulheres. Há comida. Há restaurantes. Doenças. Há trabalho. Há trânsito. Os dias como nós conhecemos. O mundo como imaginamos".

  Susan (Evan Green) é uma epidemiologista plenamente dedicada à seu trabalho. Seus dias se resumem à estudar, avaliar e diagnosticar tudo o que diz respeito a epidemias (como o nome da profissão bem sugere) e, por conta disso, é justo dizer que sua rotina é cercada por morte e tragédia. Marcada por desilusões amorosas, Susan acaba por conhecer Michael (Ewan McGregor), um talentoso Chef de cozinha que também tem lá seus problemas nessa mesma área.

  Enquanto este primeiro lado da trama se desenrola de modo até bem ordinário, outro surpreende com o incomum: A população começa aos poucos a perder a capacidade de sentir cheiro. Precedida por uma súbita e temporária depressão, a perda do olfato se torna uma epidemia e obviamente o grande tema mundial. Cheiros que carregavam boas recordações, odores que alertavam quanto a riscos iminentes... Com o tempo tudo isso caiu no esquecimento e a humanidade, por ser adaptável (uma das ênfases do filme), seguiu em frente à sua maneira. Mal sabiam que o olfato era apenas o primeiro sentido a se despedir do mundo como nós conhecemos...

  Cada sentido que se extingue é precedido por uma expressão excessiva de alguma emoção por parte do portador da doença, como por exemplo a inexplicável melancolia que introduziu a perda do olfato ou a fome descontrolada que precedeu a perda do paladar. E minha nossa! Tais expressões proporcionam as sequências mais fascinantes da obra! É de emocionar mesmo. E sabe o que também emociona? A esperança no porvir que muitos são capazes de carregar. Pois em contraste com quem simplesmente prega que a epidemia trata-se da ira de Deus ou conspiração do governo, há também quem saia de casa para apreciar os sentidos que ainda lhe restam e dar atenção às pequenas belezas da vida. "A vida precisa continuar"...

  Quando eu chego no fim da crítica sem sequer citar o quão boas foram as atuações (embora TENHAM sido) ou comentar a respeito da direção, fica fácil entender o que eu quis dizer no primeiro parágrafo. Pois o que temos aqui é um filme que tem uma mensagem muito maior que o próprio filme. Um filme que consegue ser arrebatador em seu recado e calmo em sua abordagem... Em um mundo tão escasso de tato, gentileza e compaixão, Sentidos do Amor apresenta-e como um verdadeiro clássico contemporâneo... Um must see emergente... Um lembrete da humanidade que fazemos questão de nos esquecer... Um outdoor afirmando que o amor sim, é o Sentido Perfeito.

NOTA : ★★★
[ Perfect Sense / 2011 / David Mackenzie ]